Essa é provavelmente a resenha mais pessoal que já escrevi.
Sim, porque ao ler A vida como ela era, identifiquei nele situações que
aconteceram comigo e também situações que ocorrem em outros lugares do nosso
planeta, mesmo que não estejamos num mundo pós-apocalíptico. Ler esse livro me
fez sair da zona de conforto, pois não lia ou via filmes com esse tema e sempre
ficava com medo de alguma teoria sobre o fim do mundo (Só quando vi que estava
no dia 22 de dezembro de 2012 é que fiquei aliviada de o mundo não ter acabado.).
Bem, decidi receber esse livro da Bertrand Brasil porque seria
uma dupla experiência: Além de ler um livro pós-apocalíptico, o exemplar que
recebi é uma prova, nesse caso, a chamada prova “boneca” (Para quem não sabe, a
prova “boneca” é um exemplar já encapado e não disponível para venda que vai
passar por uma última revisão. Se os revisores aprovam a “boneca”, é dada a
autorização para imprimir a versão final.)
Além disso, mesmo sem ter lido os livros ou só ter assistido
a alguns minutos do primeiro filme, queria entender o porquê da comparação com
a trilogia Jogos Vorazes. Somente li o primeiro capitulo de Jogos Vorazes no
site da Rocco para poder comparar a narrativa com este livro. Principalmente
porque as tramas, mesmo tendo o mote da sobrevivência em comum, são tão
diferentes quanto o sol e a lua (Esse termo tem tudo a ver com a trama do
livro.), como vocês vão perceber.
Durante aquele milésimo de segundo, eu poderia ter sido uma garota de 16 anos na Idade Média, ou asteca, ou apache, olhando para o céu e admirando seus mistérios. Durante aquele minúsculo instante, eu fui todas as garotas de 16 anos, sem saber o que os céus previam para o meu futuro. (Página 28)
O livro nada mais é que o diário de Miranda Evans, uma
adolescente de 16 anos que mora na cidade de Howell, no estado americano da
Pensilvânia. Esse diário começa alguns dias antes de um evento que mudaria a
história da humanidade para pior: A aproximação da Lua da orbita terrestre
causada pela batida de um meteoro no satélite. E para piorar, ninguém prevê
isso e nem as consequências ambientais que isso teria.
Miranda e sua família tem que sobreviver em um mundo
assolado por tsunamis que destroem as principais cidades da Terra, terremotos e
erupções em locais inimagináveis. Tudo isso sem ter toda a tecnologia e
conforto ao qual estavam acostumados. E ainda tem que lidar com uma gripe que
se tornou muito difícil de combater.
Ultimamente, estou tentando não saber o que está acontecendo. Pelo menos, essa é a desculpa que me dou para não me preocupar com o que ocorre fora da nossa pequena região da Pensilvânia. Quem se importa com terremotos na Índia, no Peru ou até mesmo no Alasca? (Página 84)
A família Evans nunca foi treinada em habilidades de
sobrevivência. Mas a união dessa família é o que faz a diferença. Você vê
Laura, a mãe de Miranda levando a sério o instinto materno de proteção, Matt
virando o homem da casa para acumular lenha para o aquecimento e Jon, mesmo
questionando o seu futuro, apoiando e entendendo as mudanças desse mundo. E
tudo isso é descrito nas páginas desse diário que cobre quase um ano da vida de
Miranda após a colisão do meteoro.
Assistir a séries de tevê foi como comer torrada. Há dois meses, isso era tão normal na minha vida que eu nem percebia. Mas agora é como se fosse uma mistura de Papai Noel, Coelho da Páscoa, Fadas dos Dentes e o Mágico de Oz. (Página 111)
Depois dessa breve apresentação, vou começar com as
comparações com Jogos Vorazes. Muita gente classifica esse livro como uma
distopia, mas penso que deveria ser classificado com um livro do gênero
pós-apocalíptico, mais popular nos filmes, quadrinhos e séries do que nos
livros, apesar de o universo de The Walking Dead também inclui livros que são
bastante populares. Ao meu ver, as
distopias apresentam um mundo onde grande parte das pessoas não possuem
condições de vida satisfatórias e vivem num ambiente de opressão gerado pelo
seu governo, que controla tudo para manter os privilégios da elite minoritária
e dominante e evitar a represália da maioria da população, retirando suas
liberdades e dificultando as suas vidas.
Em A vida como ela era, simplesmente a Lua é acertada por um
meteoro e todo o mundo entra em um caos climático. A opressão causada nas
pessoas é provocada somente pelas mudanças causadas por esse meteoro e não por
alguém que se aproveita disso para se tornar o novo “Presidente Snow” (Sim,
essa foi uma bela referência ao personagem de Donald Sutherland nos filmes de
Jogos Vorazes.). E por isso, também não esperem por uma rebelião popular contra
um tirano. Por isso, considero o livro como um romance pós-apocalíptico.
Se também esperava muita violência dentro desse livro,
esqueça, pois apesar de desolador e de haver muitas mortes, a história não tem
como foco a violência da luta pela sobrevivência, apesar de deixar claro que
nesse novo mundo, há pessoas que vão se utilizar dela para viver.
Apesar de tanto Katniss quanto Miranda desenvolverem um
senso de maturidade muito forte em tão pouco tempo, não veremos Miranda caçando
ou lutando contra alguém. Sua maturidade está mais ligada a cuidar da família e
se responsabilizar por seus familiares.
A última diferença entre Jogos Vorazes e A vida como ela era
que destaco aqui é a narração. Ambas são narrativas em primeira pessoa, algo
que se tornou um clichê nos livros voltados para jovens, mas que nem todo mundo
gosta. Todavia, ao invés de encontrar uma narradora que conta tudo nos mínimos
detalhes, da cor dos prédios até as nail arts chamativas de Effie Trinket (Ok,
de novo, eu não li os livros da trilogia, por tanto, não sei se as nail arts da
Effie são comentadas na narrativa.), encontramos em A Vida como ela era uma
narração feita como se fosse um diário mesmo, onde Miranda expõe seus
sentimentos e dramas, mas não faz longas descrições de locais ou até mesmo do
visual dos personagens.
Apesar de ser mais realista ao que nós já fizemos quando
escrevemos diários, misturando textos mais longos com os textos dos dias que
não temos vontade de escrever muita coisa, esse tipo de narração não é muito
descritiva. Não é fácil criar uma imagem de Miranda e sua família com as poucas
informações que temos do visual deles. Para quem tem uma imaginação ativa, é
possível imaginar qualquer tipo de garota como a Miranda. E se você não tem
essa imaginação toda, esse livro não vai ser fácil de ler.
Outra coisa curiosa que aconteceu por causa dessa narração é
em relação a mãe de Miranda, Laura. Aqui nesse texto, eu repeti o nome dela duas
vezes, mas no livro, ele é dito somente uma vez. Sim, uma vez só. Isso porque o
tempo todo, a Miranda chama ela de mãe ou mamãe. O pai dela e a avó paterna,
por sua vez, não são nomeados em nenhum momento do livro. Para quem não entende
essa narração em forma de diário e/ou não entende como um personagem pode ficar
sem nome, o livro vai ser uma leitura difícil de entender.
Agora, vou falar dos pontos do livro que me tocaram muito. E
foram muitos, pois durante a leitura, eu sentia uma sensação de tristeza e dor
ao ler a luta e os problemas que a família Evans vive e sem ter noção do que
ocorre no resto do mundo, por causa da narração em forma de diário. Ver aqueles
personagens em um mundo que de uma hora para outra mudou para pior me cortava o
coração e me apavorava com a possibilidade de isso acontecer comigo.
̶ Mas não foi assim que você nos criou – questionei ̶ O que aconteceu com dividir e compartilhar?̶ Compartilhar é um luxo – respondeu – E não podemos arcar com luxos agora. (Página 117)
Como falei antes, mesmo sendo um livro em um cenário
pós-apocalíptico, eu acabei vendo em varias cenas coisas que já acontecem hoje
em dia em todo mundo, mas que fechamos os olhos para isso ou achamos que nunca vai
acontecer com a gente e simplesmente ignoramos.
Uma das primeiras
cenas em que percebo isso foi logo no dia seguinte do meteoro. Laura tira
Miranda da aula para que junto com o resto da família e a senhora Nesbit, façam
muitas compras, pegando tudo o que podiam, já que sabiam que seria difícil que
os produtos cheguem até os supermercados por causa dos efeitos que aproximação
da lua causou, criando um verdadeiro estoque de guerra. Para mim, isso me
lembrou o dia 12 de janeiro de 2011, o dia seguinte da enchente que atingiu de
forma violenta a Região Serrana do Rio.
Como vocês devem saber, sou de São José do Vale do Rio
Preto, uma das cidades mais afetadas por essa enchente. Eu tive uma sorte
parecida com a da Miranda, pois minha casa é em um dos poucos bairros que não
tiveram grandes perdas materiais, mas mesmo assim, ficamos sem luz por dois
dias e por quase uma semana a luz ia e voltava devido ao estragos que a chuva
causou em um dos transformadores que transportam a eletricidade para a cidade.
Naquele dia, decidi ir ao mercado do bairro pegar o máximo de coisas possíveis,
pois sabia que a luz voltaria, mas não seria tão rápido quanto ocorre em uma
queda de energia. E percebi que todo mundo lá fazia a mesma coisa. Não era uma
catástrofe irreversível e global, como no caso da Miranda, mas a atitude das
pessoas era praticamente a mesma (Ok, no meu caso, não houve briga e nem
choro!).
A segunda coisa que percebi que era parecida com o mundo de
hoje foi quando a Miranda recebeu uma carta de seu pai, dizendo que não podiam
atravessar o estado do Kansas porque os guardas só deixavam passar quem tinha
parentes por lá, mesmo que ele e sua esposa só quiserem atravessar para ir
buscar a avó da Miranda, que mora em Las Vegas. Me lembrou muito as questões sobre
os imigrantes em vários lugares do mundo, que tentam ir para os Estados Unidos
ou para a Europa, muitos entrando por um país para poder chegar ao país que
querem viver. E o problema não é deles ou dos governos que recebem esses
imigrantes, mas sim de seus países de origem, pois se as condições desses
locais estivessem boas, as pessoas só iriam imigrar porque realmente gostariam
de viver em outro país e não por necessidade.
Também nessa carta, há a questão dos campos de refugiados, pois
ele e a esposa acabam se refugiando em um deles por causa dessa barreira no
Kansas. É incrível pensar que segundo a autora, se os Estados Unidos passarem
por um cataclisma, muitas das coisas que ocorrem nas guerras em que se envolvem
os soldados americanos (Muitas delas poderiam ter acabado há muito tempo se as
pessoas pensassem mais em conviver do que matar aqueles que pensam de modo
diferente.) iriam ocorrer na América. Pelo jeito, se as pessoas não mudarem,
não vai importar aonde elas vivem, pois irão fazer sempre as mesmas coisas
cruéis.
Também dentro dessa carta, se falam de milícias que impedem
a passagem de pessoas pelas estradas por pura maldade e sede de poder. Não
lembra de alguma forma as milícias que existem em muitas das nossas favelas? Eu
penso que sim.
Por último, é também citado no livro as pessoas que se
utilizam da religião para ganhar vantagem sobre os outros, como ocorre com uma
das amigas da Miranda, que acaba sendo influenciada por um reverendo. Não posso
dizer aqui o que ocorre com ela, mas sei que quem faz isso nem mereceria ser
chamado de religioso, não importa a religião que ele diz defender.
No final das contas, esse livro te faz pensar muito na vida.
Sim, porque ao ver como uma família se vira no meio de um apocalipse, você
sente aquela pontinha de tristeza de não poder ajudar e aquela outra pontinha
ao pensar “E se acontecesse comigo?”. E aí, começa a pensar na família e em
tudo o que tem. E como algumas vezes nos irritamos com os outros por coisas
bobas (apesar de que no livro também tem algumas brigas familiares). E que nada
dura para sempre.
Mas hoje não é um dia para nos preocuparmos com o futuro. O que for para acontecer, acontecerá. Hoje é um dia para comemorar. Amanhã, o dia irá durar mais do que a noite.Amanhã, acordarei e encontrarei minha mãe e meus irmão ao meu lado. Todos ainda vivos. Todos ainda me amando. (Página 375)
A autora contribui para essa sensação, pois nos faz gostar
de alguns personagens que depois morrem ou vão embora para conseguir uma vida
melhor. Até mesmo você pensa no que teria acontecido se ficassem, mas logo após
entende que o mundo não é mais o mesmo e que isso é uma das muitas
consequências daquele meteoro ter batido na lua.
E como fiquei tão preocupada como os personagens, e como a
diagramação é feita de um modo que não cansa a vista, a leitura foi muito
rápida. E pelo modo como me mexeu, A vida como ela era merece 5 estrelas (ou
livros, como vocês preferirem).
Esse livro é o primeiro do quarteto Os últimos sobreviventes
(que era também chamado pela autora de “Os livros da lua” ou como a série Life
as we knew it). O próximo livro, Os vivos e os mortos, é contado sobre o ponto
de vista de Alex, um garoto porto-riquenho que vive em Nova York, e nele
veremos o que ocorreu na maior metrópole do mundo durante o mesmo período de A
vida como ela era. E promete ser mais cruel do que o primeiro livro. Os últimos
dois volumes, por sua vez, unem as tramas de Miranda e Alex. E caso vocês não
gostem de spoliers sobre os futuros livros, por favor, não leiam as sinopses
dos próximos livros na Amazon ou em qualquer outro site. Acabei descobrindo
coisas sobre o futuro dos personagens que me fizeram finalmente entender porque
a Nanda do blog Viagem Literária não gosta muito de ler a sinopse presente nos
livros. E curiosamente, esses são os últimos livros da carreira da Susan Beth
Pfeffer, pois ela anunciou sua aposentadoria da carreira de escritora.
Série Os últimos sobreviventes:
1. A vida como ela era (Life as we knew it)
2. Os vivos e os mortos (The dead and the gone)
3. O mundo em que vivemos (This world we live in)
4. A sombra
da lua (The shade of the moon)
O único lado ruim dessa série aqui no Brasil são as capas.
Desde que eu vi a capa de A vida como ela era, eu achei que ela era muito
simples. Parecia aqueles livros que são entregues para projetos de incentivo à
leitura nas escolas. Mesmo que na versão impressa tenha uma textura onde fica a
lua, ela não melhorou muita coisa na capa. E se fosse para a silhueta da garota
nas capas de A vida como ela era e O mundo em que vivemos combinar com
a imagem da Miranda, ela não deveria estar usando um coque, pelo menos no
terceiro livro, pois durante A vida como ela era, ela acaba cortando o cabelo
bem curto (uma das poucas características visuais que sabemos da Miranda). No
site da Susan Beth Pfeffer, eu vi as capas americanas e vi que elas também
trazem para o leitor a proposta da série, mas sem serem exageradas demais ou
simples demais como um livro escolar, e poderiam ser perfeitamente
reaproveitadas no Brasil.
Fotos das capas da versão brasileira de Os últimos sobreviventes. (Foto tirada da contracapa de A vida como ela era, mas sem uma boa qualidade) |
As capas da versão americana da série Os últimos sobreviventes. (Montagem feita a partir das fotos do site criado pela Houghton Mifflin Harcourt para divulgar a série) |
Mas mesmo essa capa não afetou a avaliação do livro e nem
minhas emoções durante a leitura, afinal, não se julga um livro pela capa.
Espero que tenham gostado e até a próxima resenha!
P.S.: A autora escreveu um post em seu blog (que ela parou
por causa da sua aposentadoria) sobre a ciência por trás desse livro e de Os
vivos e os mortos. Não sabia que ela criou toda aquela catástrofe sem ter uma
pesquisa séria (leia-se: livros, artigos e documentários sobre desastres naturais, colisões de meteoros e sobre a lua) e mesmo assim, conseguir afetar quem lê de uma forma tão forte,
mesmo que eu duvide que a gravidade da lua afete a ocorrência de terremotos e
erupções vulcânicas. Vocês podem conferir o post em inglês aqui.
Uau, Letícia! Apesar de eu não estar muito interessada mais em livros distópicos e jovens adultos, adorei a sua resenha e até fiquei com vontade de ler, quem sabe um dia...
ResponderExcluirParabéns pela resenha! :q :n :n :n