Uma nova coluna... com um convidado amigo... para postar resenhas... resenhas de livros diferentes... livros que não tivemos oportunidade de ler... ou que tem uma outra concepção dos livros que normalmente resenhamos... e por que chamarmos de 'Um outro olhar'?
Olá pessoal, hoje estamos trazendo mais uma resenha da Letícia...
Depois do sucesso da resenha de
“A cidade sombria”, Cinthia disse que pensou que eu deveria fazer mais algumas
resenhas de livros, se fosse a minha vontade, é claro. Na semana passada em
visita a uma livraria em Petropólis, encontrei o livro que seria perfeito para
essa resenha. Ele me atraiu enquanto tentava encontrar um livro stand-alone do
Harlan Coben (tinha em mente levar “Não conte a ninguém” mas não o achei)
seguindo um conselho da Cinthia. Esse livro se chama “Água na Boca”, publicado
pela Bertrand Brasil, e vocês podem pensar que é um livro sobre culinária, mas
não o é, pois é um suspense curto e veloz, mas muito intenso.
Há algum tempo já ouvia falar
desse livro em alguns blogs e no Twitter da Bertrand Brasil, mas só no dia em
que estive na livraria, eu senti a vontade imediata de comprá-lo. E poucos dias
depois, morta pela curiosidade de folhear suas páginas, eu o comecei a
ler.
O curioso é saber como esse livro
surgiu. No prefacio, o editor da obra e mediador dos textos entre os dois
escritores Daniele Di Gennaro comenta como conseguiu covencer os dois autores
de que seria uma ótima ideia criar um crossover
entre os seus personagens mais famosos para interagirem em um caso complicado e
não autorizado pelos seus superiores.
Tanto que durante mais uma pausa técnica, não me contenho e lhes faço a fatídica pergunta que venho ruminando há alguns quartos de hora: “Como se comportariam os personagens dos senhores, Salvo Montalbano e Grazia Negro, se topassem ambos com um cadáver? Como interagiriam em uma investigação? Podem me contar?” Página 6 - Prefácio
Esse convite aconteceu durante a gravação
de um documentário sobre os dois autores, onde eles falavam sobre suas
semelhanças e diferenças no modo de criar um bom suspense, de como ocorreu o
sucesso de seus personagens até mesmo além dos livros (Lucarelli adaptou para a
TV os personagens do inspetor Coliandro e do comissário De Luca, que já eram
também um sucesso nos livros) e de sua
paixão pela literatura. Esse documentário se chama “Acqua in Bocca”, que é também
o nome original do livro, e foi exibido pela Rai 3 na Itália.
A estrutura desse livro é a de um
romance epistolar, em que o caso é contado através de cartas trocadas entre os
dois protagonistas, mas aqui não vemos só cartas, mas também relatórios
policiais, fotos, convites e até notas de jornais (mais exatamente de Il Resto
Del Carlino e do Il Corriere Della Sera) contando a história. Também por isso,
a história faz um paralelo interessante com o modo como foi escrita: Cammilleri
e Lucarelli, cada um em seu respectivo turno, enviavam suas partes do texto,
junto com anotações, fotos e colagens ao editor, que repassava para o outro
autor, que deveria responder a situação que foi proposta pelo colega. Segundo o
editor, esse processo, que durou cinco anos devido aos outros projetos dos
autores, pode ser comparado com uma jam
session de jazz e ao mesmo tempo, com uma partida disputadíssima de xadrez.
Agora, depois de ter explicado o
processo de criação do livro, eis a história. Grazia envia uma carta a Salvo
Montalbano pedindo ajuda com um caso que aparentemente é um suicídio: Um homem
encontrado morto com um saco plástico na cabeça e com dois peixinhos dourados
deixados no chão. Conhecendo a fama de Montalbano em resolver casos difíceis e
descobrindo que o provável suicida era originário de Vigàta (cidade fictícia da
região italiana Sicilia onde são ambientadas as histórias de Moltalbano),
cidade onde vive o comissário, ela percebe que ele poderia ajudá-la quando via
que as investigações que seus superiores conduziam seguia um caminho que ela
sentia que era para encobrir alguma coisa.
Assim começa uma troca de cartas
pelos mais diversos modos, pois a investigação é proibida pelos superiores de
ambos. De bilhetes, cartas entregues por amigos, bilhetes com ortografia
incorreta escritos no computador, códigos secretos e até um método que me impressionou
muito.
Prezada Grazia,espero que você não tenha engolido essa carta, que deve ter encontrado dentro de um cannolo. E desculpe se está escrita em letras pequeninhas, eu tinha que fazer isso para ela caber dentro. Página 39
Espero que passar mensagens
dentro de doces italianos, como os cannolis, não vire uma moda. Senão, vai ter
um monte de gente engolindo papel sem saber.
Na trama, a busca pelo verdadeiro
assassino faz com que Grazia e Salvo descubram segredos que envolvem serviços
secretos clandestinos, que fazem assassinatos e ataques para que não ocorram
fatos na Itália que vão contra o que eles planejam (algo que não foge tanto da
realidade considerando que casos como o sequestro e morte de Aldo Moro e a
bomba em Piazza Fontana ainda escondem muitos segredos). Todavia o foco deles é
encontrar o verdadeiro assassino do homem de Vigàta, mas isso faz com que eles
sejam observados e que eles e seus companheiros e amigos, corram perigo.
O crossover entre os universos de Camilleri e Lucarelli faz com que
as personalidades de Grazia e Salvo sejam bem exploradas. Como já conheço
Montalbano, reconheci logo as trapalhadas de Catarella, braço direito
atrapalhado do comissário, e os ataques de ciúme de Livia, sua companheira que
não vive junto com ele, que mesmo sendo um livro sem diálogos, não deixa de
terem os seus momentos sendo relatados por Salvo.
Foi assim: relutante como é em andar de avião, Catarella pegou em Palermo um trem lentíssimo que chega 48 horas depois, ou um pouco menos, a Milão. Um dia depois da partida, Fazio recebeu um telefonema dele. Catarella tinha adormecido e, havendo acordado quando o trem estava parado numa estação que ele não entendeu qual era, desembarcou correndo. O trem partiu de novo e ele se viu na estação de Florença. Então telefonou pedindo instruções. Fazio o aconselhou a pegar o primeiro trem que fosse para Bolonha. No dia seguinte, recebemos um segundo telefonema desesperado. Vinha de Reggio Calabria. Catarella não tinha tomado um trem para Bolonha, mas vindo de Bolonha. Conclusão: tivemos que recuperá-lo pedindo a colaboração da Polícia Ferroviária. Paginas 53-54
(Juro que morri de rir imaginando
a cena!)
Grazia Negro, por sua vez, não a conheço tanto, pois nenhum livro do Lucarelli foi publicado no Brasil e os livros com essa personagem não foram adaptados para a TV. Mas vejo que ela é uma mulher que não mede esforços para caçar os criminosos e não tem medo de arriscar a sua pele para proteger quem ela ama. Na equipe que trabalha com ela no grupamento móvel da polícia de Bolonha, há até mesmo uma policial lésbica, a Balboni, o que é curioso para um suspense policial que se passa na Itália. Grazia tem como companheiro (o livro não confirma se ela é casada com ele ou não) Simone Martini, um professor cego.
A troca de cartas trás a cada momento uma nova informação sobre o caso até o seu clímax, que é relatado por uma nota no site de Il Resto Del Carlino e por relatórios policiais. É ai que há uma participação especial do inspetor Coliandro através de seu relatório que reflete e muito a sua personalidade (na hora que li essa parte, até imaginei o Giampaolo Morelli, o ator que o interpreta na série de TV, fazendo esse relatório).
No livro há muitas referencias a instituições, jornais, histórias da máfia e até mesmo a uma apresentadora italiana através de um homônimo (mas não posso revelar mais, senão é spolier). Então foi uma bela decisão da Bertrand e da tradutora de inserir notas explicando essas referencias, apesar de não terem explicado todas. Além da mulher envolvida nesse caso de homonímia, há uma foto que mostra Grazia e Salvo, que mostrarei abaixo sem dizer o contexto que ela se encontra, em que não foram explicadas duas coisas nas notas: 1) Quem aparece como Salvo Montalbano é o ator Luca Zingaretti, que como já disse, interpreta ele na série televisiva (A série faz tanto sucesso que Camilleri, que no inicio queria que Salvo tivesse cabelo, aceitou que seu personagem ficasse careca assim como o seu interprete). 2) Quem era a atriz que interpretou na foto a Grazia Negro. Queria saber porque assim posso entender o porque ela ficou com uma cara de aluada, segundo o que diz a Grazia. Mas mesmo sem todas as referencias sendo explicadas pelas notas, você pode dar uma olhada na Wikipédia italiana durante a leitura para entender o que for citado.
Vocês perceberam que fiz poucas
citações porque o livro é curto (106 páginas) e a cada momento, novas
informações são ditas sobre o caso, o que me impede de explicar sobre a trama
sem dar pistas sobre o que ocorre nela. Posso dizer que, mesmo não sendo uma
leitora muito veloz, “Água na Boca” me prendia na leitura. Mesmo que eu tivesse
que parar, logo eu voltava para saber o que iria acontecer. A cada página havia
uma nova surpresa (incluindo uma aparição no meio da história do Carlo Lucarelli)
e no final, você sente a vontade de ler mais sobre esses personagens em outros
livros dos autores e até conferir na internet a séries do Montalbano e do
Coliandro (no site da Rai, é possível ver as séries por streaming). Como já
falei, só os livros do Camilleri já foram publicados, mas os de Lucarelli não.
Portanto, entro na torcida para esse seja o primeiro de vários livros do Lucarelli
que vão ser publicados no Brasil.
Um abraço a todos e até a próxima
resenha!
Suspense curto e veloz... já adorei isso!
ResponderExcluirCartas, relatórios policiais, isso parece bem interessante e intenso.
Suspense pode não ser meu fascínio como os romances, mas eles me prendem fácil!
Isso mesmo! Você vai adorar o livro e a leitura vai ter prender fortemente até o fim.
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